Educação Popular e a construção de um saber-instrumento*
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A própria divisão social e especializada do trabalho no processo de produção capitalista impede que cada trabalhador, membro desse processo, se situe como parte dele e veja o produto final como fruto do trabalho de todos; fornece-lhe uma visão compartimentalizada e individualizada do próprio processo de trabalho em que está inserto.
Essa visão fragmentária dificulta o surgimento de uma concepção de mundo homogênea e articulada por parte das classes trabalhadoras. A classe dominante, além disso, empreende uma ação continua através de vários aparelhos estatais, no sentido de desorganizar politicamente essas classes, seja transformando suas reivindicações imediatas em necessidades estatais, seja eliminando suas lideranças e organizações políticas.
A história e o saber das classes dominadas, por estas razões, apresentam-se fragmentados.
Uma educação comprometida com o interesse das classes trabalhadoras deve ter como uma de suas preocupações básicas a criação de condições para que estas articulem suas diversas experiências históricas e as formas atomizadas de seu conhecimento num todo homogêneo, para que possam elaborar uma nova concepção de mundo.
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A elaboração deste novo saber, que não se realiza naturalmente, exige uma troca recíproca de experiências e conhecimentos entre educadores e grupos de trabalhadoras. Supõe, como diria Gramsci, um novo tipo de intelectual “… que não pode mais construir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador persuasor „permanente‟, já que não apenas orador puro…”1
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A educação popular pode, justamente, auxiliar essas classes na preparação de sua capacidade dirigente, fornecendo um instrumental básico a seus líderes e dirigentes para que possam por si mesmos assumir e executar mais eficazmente uma série de tarefas no interior de suas organizações políticas. Deveria, assim, estimular e promover o treino de habilidades de expressão e comunicação, e de coordenar debates, a de organizar atividades, a de selecionar, coletar , reunir e sistematizar informações e dados, a de relacionar dados e fatos e etc.
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Para tanto, como acentua Gramsci, a experiência educativa “… não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada „cidadão‟ possa se tornar „governante‟ e que a sociedade o coloque, ainda que „abstratamente‟, nas condições gerais de poder fazê-lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido do governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada governado a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica geral necessária ao fim de governar…”2
(*) Fragmento extraído e adaptado de “Educação popular: desafios metodológicos”, de Leila Maria da Silva Blass, Silvia Maria Manfredi e Sonia P. Barros, publicado em Cadernos do CEDES nº 1, 3ª reimpressão, em 1984. Campinas, São Paulo.
1 Gramsci, Antonio – Os Intelectuais e a Organização da Cultura, p. 8.
2 Gramsci, A. – Os intelectuais… , p. 137.
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